Lucinda Margarida Gedoz Marchioro

Lucinda Margarida Gedoz Marchioro

27/06/1934

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19/07/2023

Não tem ninguém melhor para ser, do que ser você mesmo. Lucinda Margarida Gedoz Marchioro não teve medo de ser ela mesma. De ir atrás do que queria. De persistir e crescer em uma carreira, em um tempo em que as mulheres não eram incentivadas a fazer isso. 

Lucinda nasceu em uma família de seis irmãos. Foi a irmã mais velha, Laura, que acompanhou o crescimento dela e dos outros irmãos, já que os pais, Fiorentino Gedoz e Clementina Piccoli, passavam todas as horas do dia ocupados com o trabalho pesado na lavoura e com os animais, nas terras onde moravam, em Carlos Barbosa, RS. A mãe já era um modelo de mulher não tradicional para a época. 

A família se reunia apenas no almoço e jantar: arroz e feijão ao meio dia, polenta com queijo à noite. Nestes momentos, pairava no ar um silêncio mortal, pois, mesmo a mãe sendo mais falante, o pai não permitia conversa à mesa. 

As crianças brincavam ao ar livre, nadavam no rio e acreditavam em fantasias de que era a cegonha quem trazia os bezerrinhos da vaca. Mas a vida estava prestes a mudar. Quando Lucinda tinha 12 anos, ocorreu uma seca terrível no Estado, tão grande que todas as plantações da propriedade da família morreram. Com isso, eles se mudaram para Caxias do Sul.

A adaptação das crianças do interior, acostumadas a andar de pés descalços sem nunca terem pisado em uma escola antes, não foi fácil, e Lucinda estudou por apenas dois anos (“se tu não gosta de estudar, então vais trabalhar”, disse o pai). 

Aos 14, ela começou a trabalhar em uma ourivesaria. Na fábrica de jóias, ela conheceu Arlindo Marchioro, com quem se casou, aos 19 anos. Aos 25, ela já tinha quatro filhos. 

Na juventude, os lazeres de Lucinda eram acompanhar o futebol amador da cidade, frequentar bailes com Arlindo, especialmente no Clube Guarany, onde dançavam tangos, boleros e valsas (adorava Frank Sinatra) e ir ao cinema — gostava de filmes clássicos como Doutor Jivago e Casablanca. 

Como o casal trabalhava muito, os momentos mais marcantes da família eram os descansos no verão. Lucinda e Arlindo vendiam metade das férias para poder pagar 15 dias na praia. Iam para Areias Brancas ou Arroio do Sal, numa década em que essas praias eram desertas e um teco-teco jogava os jornais nos montes de areia. As casas em que ficavam tinham fogão de pedra e água de poço. Mas tudo era maravilhoso. Porque era quando a família estava reunida. 

Lucinda era operária, mas já tinha em si um senso de empreendedora. No início dos anos 70, adquiriu uma máquina de tecer Lanofix. Com isso, seguiu na fábrica durante o dia, e à noite, produzia malhas em casa, produtos que vendia nas redondezas. 

Quando a fábrica que ela e o marido trabalhavam fechou as portas, em 1975, ela já tinha a experiência e clientela para abrir o seu próprio negócio: a Kilu. A marca, famosa na Rua Borges de Medeiros, foi uma boutique que vestiu mulheres de Caxias do Sul até o início dos anos 2000. 

Durante os muitos anos de Kilu, Lucinda fez diversas viagens a São Paulo para adquirir peças para revender, quando não era comum fazer essas aventuras. Determinada, viajava 18 horas de ônibus de linha, com um grupo de amigas, ou até mesmo sozinha. 

Assistia às novelas da Globo para ficar de olho nas tendências de moda. Recebia e atendia clientes na loja (sempre chamando de “querida”), mas não ficava de muito papo: logo pedia licença para retornar ao trabalho com as costureiras. Gostava de pedir opiniões, do tipo “que botão tu achas que devo colocar nessa camisa?”, para, no fim, colocar exatamente o botão que havia escolhido desde o começo. 

Com essa dedicação extrema ao seu trabalho e negócio, não havia muito tempo para as tarefas do lar, como limpar a casa e cozinhar para a família, como a maioria das mulheres da sua geração fizeram. 

Em vez disso, Lucinda fez questão de que os quatro filhos fizessem faculdade, pois entendia que o futuro dependia dos estudos. Um dos momentos mais marcantes foi quando a filha mais velha se formou. Lucinda incentivou que todas as mulheres da família, inclusive as netas, fossem independentes como ela (nos anos 90, foi com as amigas para Nova Iorque). Ela teve oito netos e três bisnetos. Hoje, há mais um a caminho. 

Fã de churrasco, fazia um ótimo risoto e sagu. Gostava de novelas e, nos últimos anos, quando o ritmo do trabalho diminuiu, dedicou-se ao crochê, ao tricô e às plantas, no apartamento que ficava em cima da Kilu. Ela não sabia (e não queria) ficar parada, mesmo depois da aposentadoria. 

Lucinda despediu-se aos 89 anos. Era a última dos irmãos Gedoz vindos de Carlos Barbosa que ainda estava viva. 

Viveu uma vida completa. E a viveu do seu jeito. 

 

Texto: Valquíria Vita, Legado Histórias de Vida 

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